Deficiente na prevenção de incêndios,
Brasil deve copiar EUA
Artigo publicado no portal UOL, do Grupo FOLHA DE SÃO PAULO expõe a necessidade de mudanças urgentes na regulamentação técnica de prevenção de emergências e recomenda a adoção de medidas consagradas internacionalmente como a definição de uma política nacional de desenvolvimento da CULTURA DE SEGURANÇA. Leia a
entrevista através do link:
Leia abaixo a reprodução do conteúdo do artigo:
O Brasil carece de uma referência técnica nacional para a orientação de
projetos e atividades relacionados à prevenção e ao combate de
incêndios, explosões e outros cenários acidentais. Isso inclui
orientação sobre os sistemas que mais salvam vidas durante emergências:
os de escape e abandono. Em meio à desorganização das autoridades
responsáveis, a informação que pode salvar vidas tem pouca visibilidade
para a população, para as empresas e até para os projetistas.
Há
uma grande confusão entre a informação técnica e a lei. Leis são
criadas por pessoas eleitas e dependem de uma longa burocracia para
serem atualizadas. Já as normas técnicas precisam de atualização
constante e ágil.
Um bom exemplo a ser seguido pelo país é a
NFPA (National Fire Protection Association), órgão americano
comprometido com a eliminação de mortes e perdas por incêndio. Ela conta
com a participação e o reconhecimento de membros em todo o mundo e
reúne o melhor da experiência dos que "sabem fazer". A partir da
contribuição direta de empresas, de especialistas, dos corpos de
bombeiros etc., a NFPA reúne em códigos e padrões o melhor do
conhecimento técnico.
Se o Brasil ainda não tem algo como a
NFPA, então deveria adotar suas regras, pois nelas estão o conhecimento
que salva vidas. Mesmo que viéssemos a criar uma associação similar,
deveríamos, no máximo, adaptar os códigos da organização americana para
que a tecnologia envolvida não flua conforme o compasso arcaico dos
políticos, que não estão capacitados para isso.
Os legisladores
teriam uma atuação mais eficiente impondo às autoridades a
responsabilidade pela fiscalização e a exigência da documentação técnica
relacionada com o gerenciamento de riscos em locais que concentrem
significativo número de pessoas. Eles também devem determinar a
realização, na fase de projeto, de dois estudos específicos de
engenharia de segurança.
O primeiro deles é a APR (Análise
Preliminar de Riscos), uma técnica que identifica os perigos do local e
cujo resultado é uma lista com os potenciais perigos existentes na
instalação. O segundo é a Análise de Consequências que, com base na APR,
identifica os cenários acidentais relacionados a cada perigo e descreve
as contramedidas previstas.
No caso de estabelecimentos como
restaurantes, casas de espetáculo, cinemas e shoppings deveriam receber a
visita surpresa de fiscais antes, depois e, principalmente, durante o
período de funcionamento. Essas inspeções deveriam ocorrer com o poder
coercitivo de interromper ou cancelar o evento e também de aplicar as
multas cabíveis.
Cultura de segurança
Para além da qualidade técnica, a NFPA possui um programa de educação
pública em gerenciamento de riscos. No Japão, na Europa e nos EUA, as
crianças são educadas a reagir corretamente diante de incêndios,
terremotos, tsunamis, furacões e alagamentos. No Brasil, carecemos do
desenvolvimento de um programa nacional de educação e de cultura de
segurança desde o ensino básico.
Isso não significa a criação de
uma nova disciplina, mas a inclusão, nas já existentes, de instruções
sobre prevenção de acidentes e incêndios e de como se comportar em
emergências. A ideia é formar uma mentalidade observadora e crítica
quanto a condições inseguras, assim combatendo a expressão "vira essa
boca para lá" diante de alertas sobre riscos.
Os meios de
comunicação também podem contribuir com ações educativas e
incentivadoras da cultura de segurança –seja de forma diluída nos
programas, de forma explícita ou nos intervalos comerciais.
Já o
poder público pode criar cursos: formação de brigadistas civis e
comunitários; segurança para síndicos e funcionários de condomínios;
inspeção de equipamentos de segurança; e requisitos de rotas de fuga.
Todos disponibilizados para a sociedade com certificação e com baixo ou
nenhum custo. Também deve ser criada uma certificação que classifique a
segurança de estabelecimentos conforme o nível de proteção identificado
no projeto e nas instalações.
Cumprir regulamentos é só obrigação
As diferenças entre normas são significativas principalmente quando
consideramos outros países. Basicamente, para o engenheiro, o objetivo é
evitar o acidente. Cumprir rigorosamente os regulamentos nacionais e
internacionais não é nenhuma garantia, é o mínimo.
Para evitar
acidentes é preciso mais do que uma postura legalista, pois depois do
acontecimento sempre há uma história a ser contada que serve de
explicação e, em alguns casos, de justificativa para os fatos ocorridos.
É preciso desenvolver uma real cultura de segurança que, resumidamente,
significa "atenção certa no tempo certo". Sendo "atenção certa" a ação
prática que impede a sequência de eventos que leva ao acidente, enquanto
o "tempo certo" é agir antes de acontecer.
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Gerardo Portela da Ponte Jr.
é doutor em Gerenciamento de Riscos e Segurança, consultor de
gerenciamento de riscos da Petrobras e professor da Coppe/UFRJ. Autor
dos livros "Gerenciamento de Riscos na Indústria de Petróleo e Gás" e
"Gerenciamento de Riscos Baseado Em Fatores Humanos e Cultura de
Segurança"